Capítulo I - Autoeducação (Parte I)
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O título deste capítulo pode despertar imerecida simpatia; visões agradáveis de movimentos rítmicos, ações independentes, várias formas interessantes de expressão individual vêm à mente — pois certamente essas coisas constituem “autoeducação”, não é mesmo? A maioria dessas panaceias modernas é desejável e, de modo algum, deve ser negligenciada: membros treinados para ser graciosos e ágeis; a mão, para a destreza e precisão; o olho, feito para ver e o ouvido para ouvir, uma voz ensinada a interpretar — hoje sabemos que todas essas possibilidades de alegria na vida devem estar ao alcance de toda a criança, e aguardamos, talvez com excessiva esperança, o tipo de cidadão que será fruto do nosso zelo educacional.
Embora nós, da Parents’ Union, tenhamos iniciado algumas dessas práticas educativas e tenhamos acolhido outras com gratidão e alegria, nosso ponto de vista continua sendo diferente: somos profundamente céticos quanto ao efeito de todas ou quaisquer dessas atividades sobre o caráter e a conduta. Uma pessoa não é formada de fora para dentro, mas de dentro para fora — ou seja, ela está viva — e todos os instrumentos e atividades educacionais externos que têm por objetivo moldar seu caráter são ornamentais, e não essenciais.
Isso soa como um clichê desgastado; mas vamos considerar algumas implicações da ideia de que “uma criança é uma pessoa” [p. 24], e que essa pessoa está, antes de mais nada, viva. Nenhuma intervenção externa é capaz de nutrir a vida ou promover crescimento; banhos de vinho e mantas de veludo não têm qualquer efeito sobre a vida física, a não ser o de, possivelmente, prejudicá-la. A vida é sustentada pelo que é absorvido pelo organismo, e não pelo que é aplicado externamente.
Talvez a única analogia aceitável para a mente humana seja com o corpo animal, especialmente o corpo humano, pois é o que conhecemos melhor; a desgastada analogia com plantas e jardins é enganosa, especialmente no que se refere àquela figura incômoda e intrometida, o jardineiro, que insiste em dirigir a inclinação de cada galho e a posição de cada folha; mas, mesmo sem o jardineiro, a ideia de um “jardim de infância” é intolerável, por não reconhecer a propriedade essencial de uma criança — sua personalidade — algo praticamente ausente numa planta. Consideremos, então, o comportamento paralelo entre corpo e mente. O corpo vive de ar, cresce com alimento, exige descanso, e floresce com uma dieta sabiamente variada. O mesmo acontece com a mente, entendida aqui como toda a natureza espiritual, tudo o que não é corpo. Ela também respira, requer tanto atividade quanto repouso, e floresce com uma dieta sabiamente variada.
Damos voltas e mais voltas ao redor da casa, mas raramente adentramos a Casa da Mente; nós oferecemos ginástica mental, mas isso não substitui o alimento, e, nesse quesito, servimos as mais escassas porções — não mais que um grão por dia! Cuida-se amplamente da dieta do corpo, mas ninguém para e se pergunta: “Será que a mente também precisa se alimentar, e de forma regular? Qual seria, então, sua dieta apropriada?”
Eu mesma me fiz essa pergunta e passei cinquenta anos trabalhando para encontrar a resposta, e anseio por compartilhar o que penso saber a respeito, mas a resposta não pode ser dada como um simples “faça" isto ou aquilo; ela se apresenta mais como um convite: “considere isto ou aquilo”, pois a ação segue a reflexão cuidadosa. [p. 25]
A vida da mente é sustentada por ideias; não há vitalidade intelectual na mente à qual as ideias não sejam apresentadas repetidas vezes — digamos, todos os dias. Mas “certamente, certamente”, como diria a Sra. Proudie, experimentos científicos, beleza natural, estudo da natureza, movimentos rítmicos, exercícios sensoriais — não seriam todos férteis em ideias? Em geral, sim — quando se trata de ideias de invenção, descoberta e até mesmo de arte. Mas, por ora, convém considerar as ideias que influenciam a vida — isto é, o caráter e a conduta; essas, ao que tudo indica, passam diretamente de mente para mente, sem serem ajudadas nem dificultadas por técnicas educativas externas. Toda criança recebe muitas dessas ideias oralmente — por meio de tradições familiares, sabedoria proverbial, enfim, daquilo que podemos chamar de uma espécie de literatura oral. Mas, ao compararmos a mente com o corpo, percebemos que três refeições completas por dia são geralmente necessárias à saúde — e que uma dieta esporádica de ideias é pobre e insuficiente. As escolas formam muitos jovens inteligentes, mas que carecem justamente de iniciativa, de capacidade de reflexão e daquela imaginação moral que nos permite “colocar-se no lugar do outro”. Essas qualidades florescem com uma dieta adequada — e esta não é oferecida pelos livros didáticos comuns, nem em quantidade suficiente pelas lições escolares habituais. Gostaria de enfatizar a quantidade, que é tão importante para a mente quanto para o corpo: ambos necessitam de suas “refeições completas”.
Não é tarefa fácil oferecer à mente o sustento que lhe é devido. Costuma-se dizer coisas duras a respeito das crianças — que “não têm cérebro”, ou que possuem “um intelecto inferior”, entre outras. Mas muitos de nós podemos atestar a inteligência notável de crianças nutridas com o alimento mental adequado. Ainda assim, os educadores raramente se dão ao trabalho de descobrir o que isso realmente significa. Aproximamo-nos perigosamente daquilo que Platão condena como “a mentira da alma” — a corrupção da verdade suprema —, da qual Protágoras é culpado ao afirmar: “Conhecimento é sensação” [p. 26]. E o que mais estamos dizendo, afinal, ao correr atrás de métodos educativos puramente sensoriais? Conhecimento não é sensação, nem se adquire por esse meio; alimentamo-nos do pensamento de outras mentes, e pensamento aplicado a pensamento gera mais pensamento — e nossa capacidade de pensar se aprofunda. Ninguém precisa nos convidar a raciocinar, comparar, imaginar; a mente, como o corpo, digere o alimento que lhe é próprio — e precisa realizar esse trabalho de digestão, ou deixará de funcionar.
Mas as crianças pedem pão e nós lhes damos pedra. Oferecemos informações sobre objetos e eventos que a mente não tenta sequer digerir — apenas descarta por completo (talvez numa folha de prova?). No entanto, quando a informação se apoia sobre um princípio, quando é inspirada por uma ideia, ela é avidamente absorvida e utilizada na formação daquilo que, na natureza espiritual, equivale ao tecido na natureza física.
"Educação", disse Lord Haldane, "é uma questão do espírito" — nenhuma afirmação mais sábia já foi feita sobre o tema. E, ainda assim, persistimos em aplicar a educação de fora para dentro, como se fosse uma atividade corporal ou um cuidado superficial. Podemos, no entanto, enxergar uma luz. Ninguém conhece o íntimo de uma pessoa, senão o seu próprio espírito; portanto, não há educação senão a autoeducação e, tão logo uma criança começa a aprender, ela o faz como estudante. Cabe a nós prover o alimento mental, sendo essenciais tanto a qualidade quanto a quantidade. Naturalmente, cada um de nós possui essa provisão em medida limitada, mas sabemos onde procurar; pois o pensamento mais elevado que o mundo possui está armazenado em livros. Devemos abrir os livros para as crianças, os melhores livros; o que nos cabe é prover abundantemente e servir ordenadamente.
Fico sentida pelas crianças, pois quase todos os movimentos educativos modernos tendem a subestimá-las intelectualmente. Nenhum mais do que a recente tentativa, até engenhosa, porém equivocada, de alimentar crianças normais com uma espécie de "papinha intelectual", adequada, talvez, para indivíduos com a mente enferma, mas fatal quando aplicada indiscriminadamente.
Tenho zelo pelas crianças, mas todos os movimentos educacionais modernos tendem a menosprezá-las intelectualmente — e nenhum mais do que a recente e engenhosa tentativa de alimentar crianças normais com uma espécie de papinha intelectual, que pode (?) até servir para os mentalmente enfermos, mas... “a todas as coisas extremamente populares [p. 27] sobrevém uma morte súbita e inexorável, sem esperança de ressurreição.” Se o Sr. Bernard Shaw estiver certo, não preciso sequer discutir certa forma popular da chamada Educação Nova. Já foi dito, com razão, que a educação deveria tirar proveito do divórcio que está em curso entre a psicologia, de um lado, e a sociologia, de outro; mas — e se a educação usar sua liberdade reconquistada para formar uma aliança monstruosa com a patologia?
Diversas considerações me impõem uma tarefa bastante desagradável. É chegada a hora de mostrar minhas cartas e, de certa forma, prestar contas de um trabalho cujos princípios e práticas deveriam, creio, ser de uso geral. Como aqueles leprosos que se banquetearam às portas de uma cidade faminta, começo a sentir vergonha de mim mesma! Tenho tentado expor (em vários volumes[10]) um sistema de teoria educacional que, a meu ver, é capaz de atender a qualquer exigência racional, mesmo àquele severo critério estabelecido por Platão; capaz de “atravessar o crivo das objeções e estar pronto para refutá-las, não por apelos à opinião, mas à verdade absoluta.” Parte dele é nova, mas a maior parte é antiga. Tal como a qualidade da misericórdia, não é forçado; certamente é duas vezes abençoado: abençoa aquele que dá e aquele que recebe, e um certo brilho no olhar distingue tanto o estudante quanto o professor envolvidos nesse modo de educar; mas não há resultados espetaculares que arrebatem a atenção.
O professor Bompas Smith comentou, em um discurso inaugural na Universidade de Manchester, que: “Se pudermos orientar nossa prática à luz de uma teoria abrangente, ampliaremos nossa experiência ao tentar empreender tarefas que, de outro modo, não nos ocorreriam.” É possível oferecer essa luz de uma teoria abrangente, e o resultado é precisamente o que o professor indica: um grande número de professores passa a empreender tarefas que, de outro modo, não lhes teriam ocorrido. Alguém descobre algo porque esse algo está lá, e nenhuma pessoa sensata [p. 28] reivindica mérito por tal descoberta. Ao contrário, reconhece, como o rei Arthur: “Estas joias, nas quais tropecei por desígnio divino, são para uso público.” Há muitos anos temos acesso a uma espécie de caverna de Aladim, que anseio por abrir ‘para uso público’.