Capítulo I - Autoeducação (Parte II)

Permitam-me apontar algumas das vantagens da teoria que defendo. Ela se ajusta a todas as idades — até mesmo às sete idades do homem! Satisfaz as crianças brilhantes e descobre inteligência nas que aparentam lentidão. Garante atenção, interesse e concentração sem esforço por parte do professor ou do aluno. 


Acredito que todas as crianças — todas elas, quando educadas dessa forma — se expressam com clareza e fluência, utilizando um vocabulário abundante. Alcançam um nível incomum de estabilidade emocional; além disso, a ocupação intelectual parece favorecer a castidade no pensamento e na conduta. Os pais passam a se interessar pelo que acontece na sala de aula e descobrem, nos filhos, “companhias encantadoras”. As crianças demonstram prazer nos livros — não apenas nos de histórias — e manifestam um amor genuíno pelo conhecimento. Os professores são poupados de grande parte do trabalho de correção, e crianças educadas segundo esse método apresentam desempenho excepcional em qualquer escola. É desnecessário estimulá-las com notas, prêmios ou afins. 


Afinal, não estou falando de um remédio de charlatão, embora o leitor possa pensar que sim — e não há garrafinha à venda por preço promocional! 


[10] A série “Home Education” 


Há mais de trinta anos, publiquei um volume sobre a educação domiciliar de crianças, e muitas pessoas me escreveram perguntando como aqueles conselhos de perfeição poderiam ser postos em prática com o auxílio da governanta particular, tal como existia na época. Então me ocorreu que se poderia elaborar uma série de currículos que incorporassem princípios sólidos e garantissem que as crianças estivessem em uma posição de menor dependência do professor do que estavam naquela época; em outras palavras, que sua educação [p. 29] deveria ser, em grande parte, autoeducação. Foi criada uma espécie de escola por correspondência, cujo lema — “Eu sou, eu posso, eu devo, eu farei” — teve grande impacto ao levar as crianças a reconhecerem as possibilidades, capacidades, deveres e poder de decisão que lhes pertencem enquanto pessoas. 


“As crianças nascem pessoas” é o primeiro artigo do credo educacional em questão. A resposta dada pelas crianças (com idades entre seis e dezoito anos) me impressionou — ainda que tivessem apenas demonstrado a capacidade de atenção, a avidez pelo conhecimento, a clareza de pensamento, o discernimento apurado ao lidar com livros e a habilidade para tratar de muitos assuntos — qualidades pelas quais eu já lhes dava crédito previamente. Não preciso repetir aqui o que já defendi anteriormente sobre o tema do “Conhecimento”; acrescento apenas que qualquer um pode fazer o teste: que leia a uma criança entre seis e dez anos um relato de algum acontecimento, contado de maneira vívida e concisa, e a criança relatará o que ouviu ponto por ponto — ainda que não palavra por palavra — acrescentando toques originais encantadores. E mais: relatará a passagem meses depois, porque visualizou a cena e se apropriou daquele conhecimento. Um texto retórico, escrito em “jornalês”, não lhe causa impressão; se o trecho for lido mais de uma vez, pode até memorizá-lo palavra por palavra, mas o espírito e a individualidade desapareceram do exercício. Um rapaz ou moça mais velho lerá um dos Ensaios de Bacon, por exemplo, ou um trecho de De Quincey, e o escreverá ou narrará de forma vigorosa e com certo estilo — seja no momento, seja meses depois. Sabemos como Fox recitou um panfleto inteiro de Burke em um jantar na faculdade, embora provavelmente não o tenha lido mais do que uma vez. Aqui, bem à vista, está a chave para aquela atenção, interesse, estilo literário, vocabulário amplo, amor pelos livros e desenvoltura na fala — qualidades que todos nós sentimos que deveriam pertencer a uma educação que apenas se inicia na escola e continua por toda a vida. Essas são as coisas que todos nós desejamos, e como obtê-las [p. 30] é parte do segredo aberto que estou trabalhando para revelar “para uso público”. 


Estou ansiosa para apresentar ao público um experimento educacional muito bem-sucedido em um momento em que nos dizem, com autoridade, que “a educação deve ser... um apelo ao espírito para que possa ser interessante”. Aqui está a Educação que é tão interessante e fascinante quanto uma bela obra de arte para pais, crianças e professores. 


Ao longo dos últimos trinta anos, milhares de crianças educadas segundo esses princípios cresceram apaixonadas pelo Conhecimento e demonstrando um “julgamento acertado em todas as coisas”, na medida em que um currículo bastante amplo lhes fornece base para isso. 


Eu gostaria que as crianças fossem ensinadas a ler antes de aprenderem as habilidades mecânicas da leitura e da escrita; e elas aprendem maravilhosamente; prestam total atenção ao parágrafo ou à página que é lida para elas e são capazes de relatar o assunto ponto por ponto, com suas próprias palavras; mas elas exigem o inglês clássico e, nesse sentido, não podem aprender a ler com nada que seja inferior. Elas começam sua “formação” em "letras" aos seis anos e, simultaneamente, começam a aprender as técnicas mecânicas de leitura e escrita. Uma criança não perde nada ao passar alguns anos adquirindo essas habilidades porque, enquanto isso, está “lendo” a Bíblia, história, geografia e contos, com muita atenção e um notável poder de reprodução, ou melhor, de tradução para sua própria linguagem; está desenvolvendo um vocabulário rico e o hábito da fala articulada e sequencial. Em suma, é uma criança educada desde o princípio, e sua capacidade de lidar com livros — vários deles em uma só manhã de "escola" — cresce com a idade. 


Mas as crianças não são todas iguais; há tanta diferença entre elas quanto entre homens e mulheres. Há dois ou três meses, um garotinho de quase seis anos ingressou na escola (por correspondência), e seu histórico indicava que ele conseguia ler qualquer coisa em cinco idiomas, estava aprendendo [p. 31] por conta própria os caracteres gregos, sabia se orientar pelo Continental Bradshaw² e era uma pessoinha vigorosa e rechonchuda. Tudo isso o menino já trazia consigo ao chegar à escola. Ele é, sem dúvida, uma criança excepcional — assim como seria excepcional um adulto com essas realizações. Mas acredito que todas as crianças trazem consigo muitas capacidades que não são reconhecidas por seus professores, sobretudo a capacidade intelectual (sempre mais avançada do que a motora), que tendemos a afogar com enxurradas de explicações ou a dissipar em tarefas inúteis que não promovem verdadeiro progresso. 


As pessoas são naturalmente divididas entre as que leem e pensam e as que não leem ou pensam; e o objetivo das escolas é garantir que todos os seus alunos façam parte do primeiro grupo. Vale a pena lembrar que o pensamento é inseparável da leitura quando esta se ocupa do conteúdo de um trecho — e não apenas das palavras impressas. 


 


As crianças de que estou falando estão muito ocupadas tanto com coisas quanto com livros, porque “Educação é a Ciência das Relações” é o princípio que rege seu currículo; ou seja, uma criança vai para a escola com muitas aptidões que deve colocar em prática. Assim, ela aprende bastante ciência, porque as crianças não têm dificuldade em entender princípios, embora os detalhes técnicos as confundam. Ela pratica diversos trabalhos manuais para conhecer a textura da madeira, da argila, do couro, e a alegria de manusear ferramentas, ou seja, para que possa estabelecer uma relação adequada com os materiais. Mas, sempre, é no livro, no conhecimento, na argila, no pássaro ou na flor que repousa sua atenção, não em si mesmo ou em seu próprio progresso. 


Receio que algum conhecimento da teoria que propomos seja necessário ao professor de mente aberta que deseje testar nossas práticas, pois cada detalhe do trabalho em sala de aula decorre de determinados princípios. Por exemplo, seria fácil, sem muita reflexão [p. 32], experimentar como usamos os livros; mas, na educação, como na religião, é a intenção que importa, e o aluno que estuda apenas para tirar uma “boa nota” memoriza perfeitamente as palavras, mas não obtém o conhecimento. Esses princípios, porém, são suficientemente claros e simples e, quando consideramos que a educação atual se encontra em estado caótico por falta de uma teoria unificadora — e que não há, no campo educacional, outra teoria abrangente que esteja alinhada com o pensamento moderno e seja aplicável a todas as situações —, não valeria a pena tentar uma que seja imediatamente praticável, sempre agradável, e que já tenha provado seu valor por formar tantos homens e mulheres capazes, prestativos, responsáveis, sensatos e com ânimo cooperativo? 


Ao defender um método de autoeducação para as crianças, em lugar da educação vicária³ que hoje prevalece, gostaria de destacar o imenso alívio proporcionado aos professores — uma classe abnegada e extremamente sobrecarregada. A diferença é exatamente aquela entre conduzir um cavalo leve ou um cavalo pesado: o primeiro avança animadamente, por vontade própria, e o condutor o acompanha com alegria. O professor que concede a seus alunos a liberdade da “cidade dos livros” está em condições de tornar-se seu guia, filósofo e amigo, deixando de ser o mero instrumento de uma alimentação intelectual forçada. [p. 33] 


1 Jornalês é um termo pejorativo usado para descrever um estilo de escrita comum em certos textos jornalísticos, marcado pelo uso excessivo de clichês, linguagem sensacionalista, fórmulas prontas e construções artificiais. Em geral, esse estilo busca impacto rápido, mas tende a empobrecer a clareza e a profundidade do conteúdo. 

² Continental Bradshaw era um guia detalhado de horários de trens e informações de viagem pela Europa continental. Esse tipo de guia era usado principalmente por adultos e exigia habilidades avançadas de leitura, orientação e compreensão de sistemas ferroviários complexos. Mencionar que uma criança conseguia se orientar por esse guia é uma maneira de destacar suas capacidades incomuns para alguém dessa idade. 

³ Por vicário, entende-se aquilo que substitui algo ou alguém.