Introdução I

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Preparação: 

Ao mencionar a “Guerra” a autora se refere à Primeira Guerra Mundial. Ao longo do texto, ela fará outras referências à grande guerra, incluindo um comentário às motivações da Alemanha. Vale ressaltar que, tendo falecido em 1923, não viveu o tempo da Segunda Guerra Mundial. Fica ao leitor a tarefa de identificar se as mesmas motivações que, segundo Mason, influenciaram o primeiro conflito, também estiveram presentes no desenrolar do segundo. 
 


Estes são dias de ansiedade para todos os que se dedicam à educação. Alegramo-nos com a fortaleza, o valor e a devoção demonstrados por nossos homens na Guerra e reconhecemos que isso se deve às escolas e ao fato de que a Inglaterra ainda produz “criaturas muito valentes”. É bom saber que “todo o exército era ilustre”. O heroísmo de nossos oficiais recebe um impulso adicional daquela tintura de “letras” que todo aluno de escola pública recebe, e daqueles “campos de jogos” onde os meninos adquirem hábitos de obediência e comando. Mas o que dizer da ignorância abismal demonstrada no pensamento errôneo de muitos dos homens que ficaram em casa? Será que somos culpados? Suponho que a maioria de nós acha que sim, pois esses homens são educados da forma como escolhemos compreender a educação, ou seja, eles sabem ler e escrever, pensar de forma perversa e seguir um raciocínio, embora sejam incapazes de detectar uma falácia.   

 

Se perguntarmos, perplexos, por que tantos homens e mulheres parecem incapazes de um impulso generoso, de um patriotismo razoável, de enxergar além do círculo de seus próprios interesses, a resposta não será a de que os homens são capacitados para tais coisas pela educação? Essas são as características de pessoas educadas; e quando milhões de homens que deveriam ser a espinha dorsal do país parecem estar cegos para as demandas da sociedade, temos de perguntar, — Por que, então, [p 2] essas pessoas não são educadas, e o que lhes demos no lugar da educação? 

 

Os nossos erros na educação, na medida em que os temos cometido, giram em torno da concepção que temos acerca do que é a "mente", e a teoria mais disseminada entre os professores implica a noção ultrapassada do desenvolvimento das "faculdades", uma noção que por si mesma se baseia no axioma de que o pensamento não é mais do que uma função do cérebro. Aqui encontramos a única justificativa para os currículos exíguos oferecidos na maioria das nossas escolas, para os processos tortuosos do nosso ensino, para a afirmação maliciosa de que "não importa o que a criança aprenda, mas apenas como ela aprende". Se ensinamos muito e as crianças aprendem pouco, nos consolamos com a ideia de que estamos "desenvolvendo" esta ou aquela "faculdade". Um grande futuro está diante da nação que perceberá que o conhecimento é a única preocupação da educação propriamente dita, que se distingue de treinamento, e que o conhecimento é o alimento diário necessário para a mente. 

 

Os professores estão à procura do apoio de uma teoria sólida, e tal teoria deve reconhecer com convicção o papel da mente na educação e as condições sob as quais esse agente primário atua. Queremos uma filosofia da educação que, admitindo que a mente é atraída pelo pensamento somente, que pensamento gera pensamento, relegue a seus devidos lugares subsidiários todas as atividades sensoriais e musculares que supostamente proporcionam treinamento intelectual e físico. Esse último é tão importante por si só que não precisa ser reforçado pela noção de que inclui a totalidade, ou a parte praticamente importante, da educação. A mesma observação se aplica ao treinamento vocacional. Nossos jornais perguntam com escárnio: "Não existe educação senão aquela que recebemos dos livros na escola? O rapaz que trabalha nos campos não está recebendo educação?" e o público não tem coragem de afirmar claramente: "Não, ele não [p 3 ] está", porque não existe atualmente uma noção clara a respeito do que significa educação e de como ela deve ser diferenciada do treinamento vocacional.  Mas as próprias pessoas começam a entender e a clamar por uma educação que qualifique seus filhos para a vida, e não apenas para ganhar a vida. De fato, o homem que leu e pensou sobre muitos assuntos é que, com o treinamento necessário, é o mais capaz, seja manuseando ferramentas, desenhando planos ou fazendo anotações. Quanto mais conseguimos fazer de uma criança uma pessoa, melhor ela realizará sua própria vida e servirá à sociedade.  


Um grande e atencioso cuidado foi empregado para determinar as causas do colapso alemão em termos de caráter e conduta; o flagelo da guerra foi sintomático, e os sintomas foram devidamente rastreados até sua causa nos pensamentos que o povo foi ensinado a pensar durante três ou quatro gerações. Ouvimos muito sobre Nietzsche, Treitschke, Bernhardi e os outros; mas o Professor Muirhead fez um bom serviço ao levar a investigação mais para trás. As teorias de Darwin sobre a seleção natural, a sobrevivência do mais apto, a luta pela existência, criaram raízes em terra boa na Alemanha; e as ideias do super-homem, do superestado, do direito dos que detém poder — para repudiar tratados, eliminar forças mais fracas, para não reconhecer lei alguma além da conveniência — tudo isso parece ter saído tão naturalmente do darwinismo quanto uma galinha sai de um ovo. Sem dúvida, os mesmos ditos já se faziam presentes nos Comentários de Frederico, o Grande*; "Os que têm o poder devem tomá-lo, e os que podem devem mantê-lo", que é muito mais antigo que Darwin, mas talvez tenha sido essa a contribuição do nosso filósofo inglês pela Alemanha. Existe uma tendência na natureza humana de escolher as obrigações da lei natural em vez das da lei espiritual, de tirar seu código de ética da ciência e, seguindo essa tendência, os alemães encontraram em sua leitura de Darwin uma justificativa para manifestações de brutalidade. [p 4] 


Aqui estão alguns exemplos de como os filósofos alemães ampliam o texto darwiniano: "Na matéria residem todas as potências naturais e espirituais. A matéria é a base de todo o ser." “O que chamamos de espírito, pensamento, a faculdade do conhecimento, consiste em forças naturais, embora combinadas de forma peculiar.” O próprio Darwin protesta contra o fato de a luta pela existência ser o agente mais potente no que diz respeito à parte mais elevada da natureza do homem, e ele nem sequer pensou em dar uma tendência materialista à educação moderna, assim como Locke não imaginara ensinar os princípios que, no futuro, levariam à Revolução Francesa; mas os pensamentos dos homens são mais poderosos do que eles imaginam, e esses dois ingleses podem ser creditados por terem influenciado poderosamente dois movimentos mundiais. 


Na Alemanha, “preparada por um quarto de século de pensamento materialista”, os ensinamentos de Darwin foram aceitos como uma oferta de emancipação de diversas restrições morais. Ernst Haeckel, seu ilustre seguidor, encontra na lei da seleção natural a justificativa para a ação sem lei da Alemanha e, também, para a fértil doutrina do super-homem. “Esse princípio de seleção é nada menos que democrático; pelo contrário, é aristocrático no sentido mais estrito da palavra.” Sabemos como Buchner, novamente, simplificou e popularizou essas novas teorias: "Todas as faculdades que incluímos sob o nome de atividades psíquicas são apenas funções da substância cerebral. O pensamento tem a mesma relação com o cérebro que a bile tem com o fígado." 


Qual uso, ou abuso, a Alemanha fez do ensino de Darwin não seria (exceto pela Guerra) uma preocupação imediata para nós, se não fosse pelo fato de que ela nos devolveu o que é nosso sob a forma dessa "mitologia da psicologia das faculdades", que é tudo o que possuímos em termos de pensamento educacional. A psicologia inglesa propriamente dita avançou, se não para um solo firme, pelo menos para o ponto de repudiar a base das “faculdades”. “Por mais atacado que seja, [p 5] o conceito de ‘mente’", dizem-nos, “pode ser encontrado em todos os autores da Psicologia.”[4] Mas existem apenas mente e matéria, e quando nos dizem novamente que "a psicologia se baseia no sentimento", como ficamos? Existe um meio-termo? 


⁴ Cito o artigo sobre psicologia na Encyclopædia Britannica como sendo o mais provável de exibir a posição de autoridade. 
 
*Nota do tradutor: Trecho do poema Rob Roy’s Grave, de William Wordsworth. 
 
Perguntas para discussão: 
 

Que impacto o pensamento de Darwin pode ter legado à educação? 

Que relações você identifica entre a concepção de que “o pensamento tem a mesma relação com o cérebro que a bile tem com o fígado”  nas discussões recentes sobre Inteligência Artificial, transumanismo, transferência mental e afins?