Introdução II

II 


 Nós falhamos em reconhecer que, assim como o corpo necessita de alimentos saudáveis e não pode ser nutrido com qualquer substância, a mente também precisa de alimento adequado à sua natureza. Se a Guerra não nos ensinou mais nada, ao menos ela nos ensinou que os homens são espíritos, que o espírito, mente, de um homem é mais do que sua carne, que seu espírito é o homem, que pelos pensamentos do seu coração ele dá o fôlego ao seu corpo. Como consequência desse reconhecimento da nossa natureza espiritual, a lição para nós no momento é de que os grandes pensamentos, grandes eventos, grandes considerações, que formam o plano de fundo do pensamento nacional devem ser o conteúdo da educação que passamos adiante. 


O pensamento educacional de que mais ouvimos falar é, como já disse, baseado em diversos axiomas darwinistas, a partir dos quais recebemos a noção de que nada importa além do  preparo físico e do treinamento vocacional. Por mais importantes que sejam, não são o principal. Um século atrás, quando a Prússia se afundou nas guerras napoleônicas, descobriu-se que o formidável inimigo nacional não era Napoleão, mas a Ignorância. Alguns filósofos se debruçaram sobre o assunto, e a história, a poesia, a filosofia provaram ser a salvação de uma nação arruinada, porque esses estudos favorecem o desenvolvimento da personalidade, do espírito cívico, da iniciativa, qualidades de que o Estado precisava, e que mais contribuem para a felicidade e o sucesso individual. Por outro lado, o período em que [p 6 ] a Alemanha tornou utilitarista seu currículo escolar, marca o início de sua decadência moral. A história se repete. Existem rumores interessantes sobre como os estudantes em Bona, por exemplo, foram em procissão solene queimar os romances franceses, certos quadros, artigos de luxo e afins, coisas como essas haviam levado a Alemanha à ruína e era o papel da juventude salvá-la agora, assim como antes. Eles terão outro Tugendbund*?   


Queremos uma educação capaz de nutrir a mente sem negligenciar o preparo físico ou vocacional, em resumo, queremos uma filosofia da educação que funcione. Acredito que que nós, da P.N.E.U.**, chegamos a esse corpo teórico, testado e corrigido por cerca de trinta anos de prática bem-sucedida com milhares de crianças. Esta teoria já foi apresentada em volumes [5] publicados em intervalos durante os últimos trinta e cinco anos; portanto, indicarei aqui apenas alguns pontos de destaque que me parecem diferentes da teoria e prática geral: 

(a) As crianças, e não os professores, são as pessoas responsáveis; elas fazem o trabalho por esforço próprio. 


(b) Os professores dão apoio e, ocasionalmente, elucidam, resumem ou ampliam, mas o trabalho de fato é feito pelos alunos. 

(c) Eles leem, em um trimestre, uma, ou duas ou três mil páginas***, de acordo com a idade, a escola e a série, em um grande número de livros. A quantidade estabelecida para cada lição permite apenas uma única leitura, mas a leitura é testada por meio de narração ou trabalho escrito, feito em caráter de teste. Quando o exame do trimestre se aproxima, tanto conteúdo já foi coberto que a revisão está fora de cogitação. O que as crianças sabem o que leram e escrevem sobre qualquer parte do texto com facilidade e fluência, em um inglês vigoroso; geralmente com boa ortografia. 


 [p 7] 

 

De tempos em tempos, muito se fala para mostrar que o “mero aprendizado dos livros” é bastante desprezível e que “as coisas estão na sela e montam a humanidade”****. Gostaria de salientar que qualquer descrédito que se deva ao uso de livros não se aplica a esse método, que, até onde tive conhecimento, não foi empregado até agora. Já foi feita alguma tentativa em larga escala para garantir que os alunos soubessem o conteúdo de seus livros, muitas páginas de muitos livros, em uma única leitura, de tal forma que meses depois possam escrever livremente e com precisão sobre qualquer parte da leitura do trimestre? 


(d) Não há seleção de estudos, passagens ou episódios com base no interesse. O melhor livro disponível é escolhido e é lido integralmente, talvez em um período de dois ou três anos. 


(e) As crianças estudam muitos livros sobre muitos assuntos, mas não exibem confusão de pensamento, e 'erros bobos’ são quase desconhecidos.   

 

(f) Elas descobrem que, na frase de Bacon, “os estudos servem para o deleite”; esse deleite não está nas lições ou na personalidade do professor, mas puramente em seus “livros adoráveis”, “livros gloriosos”. 


(g) Os livros usados são, sempre que possível, em estilo literário.   

 

(h) Notas, prêmios, posições, recompensas, punições, elogios, críticas ou outros incentivos não são necessários para garantir a atenção, que é voluntária, imediata e surpreendentemente perfeita.   

 

(i) O sucesso dos alunos em assuntos que podem ser chamados de disciplinares, como Matemática e Gramática, depende em grande parte do poder do professor, embora o hábito de atenção dos alunos também seja útil nessas matérias. 

 

(j) Não são dadas lições avulsas sobre assuntos interessantes; o conhecimento que as crianças adquirem é consecutivo. 


[p 8] 

 O interesse incomum que as crianças demonstram em seu trabalho, seu poder de concentração, seu amplo e, na medida do possível, preciso conhecimento de assuntos históricos, literários e alguns científicos, têm chamado a atenção e a conclusão geral é de que essas crianças são filhas de pais instruídos e cultos. Foi em vão insistir que os estudos em casa geralmente não produzem resultados educacionais notáveis, mas o caminho está se abrindo para provar que o poder que essas crianças demonstram é comum a todas as crianças, finalmente, há esperança de que os filhos de pais da classe trabalhadora possam ser conduzidos para os amplos prados de uma educação liberal. 


Não estamos corretos em concluir que efeitos singulares devem ter causas proporcionais, e que tivemos a chance de encontrar trilhas desconhecidas no campo do pensamento educacional? De qualquer forma, a Regra de Ouro que Comenius buscava foi descoberta, a Regra: “Por meio da qual os professores ensinarão menos e os estudantes aprenderão mais”. 


Permitam-me agora delinear alguns dos princípios educacionais que explicam os resultados incomuns. 

 
[5] A série
Educação no Lar 

* Nota do tradutor: Tugenbund ou Liga da Virtude foi uma sociedade secreta que tinha como objetivo reacender o ardor patriótico na Prússia após a derrota contra Napoleão. 
** Parents’ National Educational Union, ou União Nacional Educacional dos Pais 
*** O ano letivo era dividido em três
terms, ou trimestres, cada um com 12 semanas. A última era dedicada aos exames. Cabe ressaltar que os livros da época tinham páginas bem mais breves que os impressos atualmente. Note que este mesmo texto se inicia na página 5 e vai até a página 8, embora caiba perfeitamente em uma página de Word. 

**** No original, “Things are in the saddle and ride mankind”, trecho do poema “Ode, Inscribed to William H. Channing” de Ralph Waldo Emerson. O poeta sugere que as coisas externas acabam controlando as pessoas, assim como um cavalo que, em vez de ser conduzido, toma as rédeas e guia o cavaleiro.