Interrupção da maternidade

Confira "Interrupção da maternidade", o segundo conto da série C.P.I.: Contos Politicamente Incorretos, de autoria de Barbara Lores

–  Bom dia, Dr. Rogério.

– Bom dia, Paola. Que bom rever você! O Felipe deve estar enorme!

– Já fez dois anos!

– Nossa, o tempo voa. Está dando muito trabalho?

– Muito... E agora que estou grávida de uma menina não tenho forças para lidar com ele. Inclusive, é por isso que estou aqui... Veja, estou cogitando interromper esse processo. Não vou conseguir cuidar do primeiro que nasceu.

– Fique calma, Paola. Você está com quantas semanas?

– Quatorze.

– Bom, então não poderemos agendar o procedimento. Por que você não veio antes das doze semanas? Pela lei, conseguiríamos resolver isso de forma simples.

– Acho que pode ser conveniente esperarmos um pouco mais para que tudo esteja bem planejado. Eu preciso me preparar emocionalmente pra viver isso tudo.

– Você sabe que às vezes a ultrassonografia pode dar uma alteração de até duas semanas para mais ou para menos, mas o que conta é a data estimada na primeira ultra. Até doze semanas podemos fazer o procedimento de interrupção da gravidez, depois disso não tenho autorização nem do conselho de medicina e nem da lei federal.

– Sei disso tudo, doutor, mas acho que não me fiz entender. Não desejo interromper a gravidez, desejo interromper o processo de maternidade do outro feto, aquele que saiu primeiro de mim.

– O Felipe? – disse o médico sem entender.

– Estou estranhando o senhor, Dr. Rogério. Quando vim aqui ano passado pra interromper a segunda gravidez a sua recomendação era a de não dar nome ao feto. Talvez seja melhor chamarmos o feto nascido de homo sapiens ou qualquer coisa assim.

– Seu filho de dois anos não é um feto nascido, Paola. É uma criança!

– Não acredito que você vai começar a tentar cercear a minha liberdade com esses argumentinhos pró-vida.

– De forma alguma, você sabe que sou pró-escolha, mas...

– Pois, respeite a minha. Eu escolho não ser mãe de menino.

– Eu entendo que cuidar dele deve ser difícil nessa idade, ainda mais que você está grávida de novo, mas podemos pensar em outras soluções. Você tem rede de apoio?

– Só posso contar com o coletivo feminista da universidade em que trabalho. E todas me apoiam nessa escolha. Inclusive, eu não estaria tão segura de dar esse passo sem o suporte delas.

– Paola, eu realmente não sei o que dizer...

– Claro, você é macho. Tende a proteger o seu gênero. Bem que me disseram pra procurar uma médica mulher.

– Não é isso, é que não é permitido interromper a maternidade no nosso país. Uma vez que o bebê nasce, os pais devem cuidar dele.

– Mas, isso é uma lei extremamente opressora. Ninguém pode me obrigar a cuidar de um feto nascido só porque saiu de dentro de mim. Se eu for ao banheiro e der a descarga ninguém liga. É uma incoerência extrema.

– Não, Paola... Quando você vai ao banheiro não sai uma pessoa de dentro de você.

– Pessoa? Eu tenho na minha casa um feto nascido há dois anos somente. Não se trata de uma pessoa! Age por instinto como um macaquinho. Você me obrigaria a criar um macaco?

– Não, é claro... Mas, estamos falando de um humano aqui. Se você deixar que ele cresça, poderá usar da razão como qualquer um de nós.

– Ele está exatamente nas mesmas condições que estava quando tinha se instalado no meu útero. Sem mim, não consegue viver. Se eu quiser deixá-lo na rua, vai morrer ou de fome, ou de frio, ou atropelado. Nenhuma lei dessa sociedade patriarcal vai me obrigar a dar abrigo e comida para um feto nascido que ainda não é sequer uma pessoa. Você nunca leu psicologia evolucionista? Quando um feto nasce, ele ainda não tem as faculdades mentais de uma pessoa. É como uma ostra. Você sabia que em alguns estados dos Estados Unidos é permitido interromper a maternidade quando um feto nasce vivo depois de um aborto? O que tiraria de mim esse direito depois de dois anos?

– Eu entendo, mas não estamos nos Estados Unidos... Eu só cumpro leis.

– Mesmo que a lei venha punir quem é inocente?

– Ainda que algo assim viesse a acontecer não seria culpa minha, só estaria cumprindo ordens.

– E quem vai me pagar para custear a alimentação e a moradia desse humano, como você diz?

– Bom, normalmente o pai e a mãe arcam com esses custos...

– Eu não me identifico como mãe de um humano do sexo masculino. Sempre quis ser mãe de menina. Agora, finalmente, consegui. Estou grávida e serei mãe dela apenas. Ela merece minha atenção total, não posso privá-la disso por causa de um feto indesejado que nasceu antes dela. Qualquer eletrodoméstico hoje em dia tem 24 meses de garantia. E se o meu homo sapiens tiver vindo com defeito?

– O que você entende por defeito? Todos temos defeitos e qualidades. Eu, por exemplo...

– Por favor, não me interrompa. Esse não é seu lugar de fala. Me refiro especificamente a defeitos de fabricação. Eu noto que o feto que nasceu de mim não apresenta as características normais, esperadas. É muito agressivo, eleva com frequência o tom de voz e joga os brinquedos no chão com força. Simula até batidas de carro com os hot wheels que ganhou do pai... Esse é um comportamento claramente perigoso. Já imaginou como ele vai tratar a irmã? Precisamos cortar o mal pela raiz e interromper esse ciclo de violência antes que o pior aconteça.

– Paola, esses comportamentos são comuns em meninos.

– Alguém me traz um copo d'água? Não posso estar ouvindo isso... Recepcionista? Por favor, me ajude. Dr. Rogério, agora você foi longe demais... Não existem comportamentos específicos do sexo masculino. É essa cultura patriarcal que define e impõe os padrões que o senhor está reforçando agora. Eu não, vou nadando contra a corrente! Felipe brinca com bonecas! Eu mesma compro pra ele. E é justamente por isso que não posso permitir que ele faça com a irmã o que tem feito com as bonecas. Arrancou os olhos de uma ontem!

– Olha, eu arrancava os braços e pernas das bonecas da minha irmã e não me tornei um assassino.

– Ainda! Com a sua omissão, minha filha estaria em risco tendo que conviver diariamente com um...um... homem!

– Bem, mas você pode levar o Felipe para um orfanato. Se não há outro remédio, entregue seu menino a alguém que possa amá-lo.

– A burocracia desses orfanatos é infinita... Por quantos dias mais ele teria que ficar comigo? E o trauma que isso já gerou? Ninguém pode me forçar a manter dentro da minha casa qualquer macho sem o meu consentimento. Minha casa, minhas regras. Aliás, quem é você pra falar de amor? Estou muito interessada em ouvir o que um homem branco heterossexual com ascendência europeia entende sobre amor. Você está numa posição privilegiada demais pra emitir opiniões.

– O que o pai da criança acha disso tudo?

– Não perguntei. O Felipe saiu de mim, não dele. Tem tempo que não vejo esse aí, já está com outra.

– Ele não ajuda você?

– Não preciso da ajuda dele. Quanto menos contato o Felipe tiver com outros machos melhor. Eu tinha a pretensão de manter a maternidade e já estava educando ele para ser a filha que eu não tive... Quanto menos contato, menor o risco de contágio. Quer saber do que mais? Também não preciso da sua ajuda. Posso interromper sozinha a maternidade.

– Paola, diante disso eu vou precisar acionar a polícia.

– Isso, vá em frente. Quer usar meu telefone? Assim que eles chegarem todos vão saber do assédio que eu estou sofrendo nesse consultório.


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