As artes liberais (ainda) são inúteis - E isso é maravilhoso!

Por Barbara Lores
Sim, você leu certo. As artes liberais são inúteis. E isso é um elogio.
Essa frase provocativa apareceu pela primeira vez em um episódio do PodClássica há seis anos. Desde então, muita gente se espantou, comentou, discordou — e, curiosamente, muitos não entenderam o que ela realmente significa. Hoje, revisito essa ideia com ainda mais convicção.
🎨 O que são “artes” — e por que algumas são “liberais”?
A palavra arte vem do grego techné, que significa técnica ou habilidade. Na antiguidade, havia as chamadas artes mecânicas — como carpintaria, tecelagem, agricultura — que serviam para manter a vida. Aprendia-se uma habilidade e, com ela, produzia-se algo útil: comida, roupa, abrigo.
Já as artes liberais não serviam para nada prático. Não eram para produzir objetos ou resolver necessidades imediatas. O produto das artes liberais é o próprio conhecimento. São as artes do pensar, as habilidades que formam a base para aprender qualquer outra coisa.
Gramática, lógica, retórica, aritmética, geometria, música e astronomia — essas são as sete artes liberais, divididas entre o Trivium e o Quadrivium. Elas não têm uma utilidade prática imediata, e é justamente por isso que são preciosas.
Como dizia John Henry Newman:
“O conhecimento é capaz de ser um fim em si mesmo. Tal é a constituição da mente humana que qualquer tipo de conhecimento, se realmente o for, é sua própria recompensa.”
Encontrar a verdade é, por si só, uma fonte de alegria.
🕊️ Por que “liberais”?
Muita gente se confunde com o termo “educação liberal”, achando que tem algo a ver com política ou permissividade. Mas o sentido original é outro. Na antiguidade, as artes liberais eram chamadas assim porque eram cultivadas pelos homens livres — aqueles que não estavam presos ao trabalho manual, que podiam se dedicar ao pensamento, à contemplação, à formação interior.
Mas há um segundo sentido, ainda mais profundo: essas artes nos tornam livres. Imagine alguém que não sabe ler e precisa assinar um contrato. Essa pessoa é menos livre. Ela depende de outro. Se não dominamos a linguagem, como vamos aprender qualquer coisa? Como vamos discernir entre o verdadeiro e o falso?
É por isso que, na Academia Dulcis Domus, criamos a Oficina de Debate e Oratória para alunos a partir de 12 anos. Nela, os estudantes aprendem a identificar falácias, apresentar ideias com clareza e impactar o ambiente — em vez de serem arrastados por ele.
🧠 Educação para a liberdade
Liberdade não é simplesmente poder escolher qualquer coisa. Se fosse assim, quanto mais escolhas eu fizesse, menos liberdade teria. Escolho uma profissão — não posso ter outra. Escolho casar — não posso escolher ser solteira. Escolho ter filhos — não posso mais escolher não ser mãe. Se liberdade fosse apenas escolha, seria como um pacote de biscoito: quanto mais eu como, menos eu tenho.
Mas liberdade verdadeira é a capacidade de escolher o bem. Uma pessoa que escolhe algo que a escraviza — como um vício — não está sendo livre. O vício arrasta. A virtude liberta.
🌌 Primeiro o encantamento, depois a análise
Outro ponto essencial é a ordem do aprendizado. Antes de analisar, é preciso amar. Antes de dissecar, é preciso contemplar. A criança precisa se encantar com o todo — ouvir a música, admirar o céu, narrar a história, brincar com o cachorro vivo. Só depois ela está pronta para analisar, dividir, entender as partes.
Se invertemos essa ordem, matamos o amor pelo conhecimento. É como a mãe que, em vez de deixar o filho brincar com o cachorro, resolve abrir o animal na mesa para mostrar os órgãos. O menino se traumatiza e nunca mais quer ver cachorro. O analítico veio antes do sintético — e o resultado foi trágico.
Charlotte Mason, uma das grandes referências da educação clássica moderna, dizia que devemos oferecer ideias vivas às crianças. Não fragmentos secos, mas experiências que despertem o amor pelo saber. Só depois vem o estudo analítico.
Ela mesma dizia: “Uma educação liberal para todos.”
E é isso que buscamos: uma educação que forme o intelecto, ordene os afetos e liberte a alma.