Educação clássica não é Trivium!

Por Barbara Lores
Nos últimos anos, a educação clássica tem ganhado espaço entre famílias, escolas e educadores que buscam uma formação mais profunda e significativa. No entanto, junto com essa popularização, surgiu também uma simplificação perigosa: a ideia de que educação clássica se resume ao Trivium — Gramática, Lógica e Retórica — aplicado em fases do desenvolvimento infantil.
Essa visão, embora influente, não representa a totalidade da tradição clássica. E é sobre isso que quero falar.
Educação clássica não é um método fechado, nem um sistema pronto. É uma tradição. "É o cultivo da sabedoria e da virtude na alma, por meio da contemplação do bem, da beleza e da verdade." Essa definição, inspirada nas palavras de Andrew Kern, do Circe Institute, continua sendo, para mim, uma das mais fiéis.
O modelo das “três fases” — Gramática na infância, Lógica na adolescência, Retórica no ensino médio — vem do ensaio de Dorothy Sayers, As Ferramentas Perdidas da Aprendizagem. É uma tentativa válida de traduzir a tradição para os nossos dias, e muita gente usa com bons resultados. Mas o problema começa quando essa estrutura é tratada como se fosse a própria definição da educação clássica. E não é.
Historicamente, o estudo do Trivium começava por volta dos 12 ou 13 anos, como parte de uma formação superior. Os gregos e os medievais não aplicavam essas artes liberais a crianças pequenas. A tradição nunca pretendeu que o Trivium fosse um currículo completo — e mesmo somando o Quadrivium (Aritmética, Geometria, Música e Astronomia), ainda não temos o quadro inteiro.
Como dizem Kevin Clark e Ravi Scott Jain, no livro A Tradição das Artes Liberais, os seres humanos são mais do que apenas intelecto. Por isso, o currículo precisa formar mais do que apenas virtude intelectual. As criaturas formadas à imagem de Deus devem ser cultivadas em corpo e alma — intelecto, vontade e paixões.
A tradição clássica cristã só cumpre plenamente sua missão quando as sete artes liberais são entendidas como parte de um modelo mais amplo. Um modelo que inclui piedade, ginástica, música, filosofia e teologia. Trivium e Quadrivium são só uma parte da história.
O que vemos hoje, muitas vezes, é uma obsessão pela memorização precoce. Crianças pequenas decoram listas de nomes, fatos e datas — conteúdos que muitas vezes nem compreendem. A justificativa é que essa é a fase ideal para “absorver” o máximo possível, mas a experiência mostra que nem sempre isso acontece.
Lembro de uma história curiosa: uma mãe americana contou que sua filha havia decorado uma musiquinha com os 50 estados dos EUA. Tempos depois, essa mãe foi ao Texas e voltou contando como foi a viagem. A filha, encantada, perguntou: “Mãe, existem outros estados também?” Como pode uma criança que sabe o nome de 50 estados não entender que o Texas é um deles?
Decorar palavras não é o mesmo que compreender. A educação clássica não começa por aí.
Nos primeiros anos, o foco deveria estar em experiências vivas — como ensinava Platão, que dava lugar especial à ginástica e à música. Quando falo em “gramática”, não me refiro a regras gramaticais, mas ao que os antigos chamavam de grammatiké: um estudo que envolvia Literatura, leitura em profundidade, apreciação do texto. Quintiliano, por exemplo, traduz grammatiké como “Literatura” em latim.
A educação clássica começa com relações significativas, ideias vivas e experiências que fazem sentido para o aluno. Como disse Charlotte Mason:
“Vamos tentar, ainda que de forma imperfeita, fazer da educação uma ciência das relações — em outras palavras, tentar, em cada disciplina, levar as crianças a trabalhar com ideias vivas.”
Essa é a missão. E é por isso que precisamos olhar para além do Trivium.