Um bule de chá pode mudar a vida dos seus filhos. Mudou a dos meus!

Naquela tarde de outono, em uma sexta-feira, com aulas terminadas e crianças felizes criando um universo paralelo no quintal, preparei para mim uma pequena xícara de Earl Grey e me acomodei numa poltrona para relaxar em um momento de satisfação pessoal pelo que avaliei ter sido “uma semana de aulas bem rodada” — raridade das raridades! Mas então, através do vapor subindo da minha xícara, meus olhos se acabaram caindo sobre uma pilha daqueles tão -cuidadosamente- selecionados livros de poesia e arte juntando poeira em um canto. Ahhh, pensei, ainda tem ISSO...


Sentindo-me menos convencida, lamentei as muitas semanas que passaram sem tempo para encaixar essas disciplinas de beleza. Os dias são consumidos pelo gerenciamento das rotinas e por fazer entrar nas cabecinhas os fatos necessários, tal como quem coloca gravetos em uma fornalha. Mas, de que serve colocar gravetos secos sem acender e atiçar o fogo? Suspirei pelos inexplorados poemas, arte, sinfonias, salmos e até folclore familiar — aquelas inspirações que acendem as chamas em nossas cabeças e atraem fogo e luz para a fornalha do coração.


Eu sabia que a poeira iria se acumular mais profundamente, a menos que eu encontrasse o hábito que faltava, o ritual agradável, que teceria as pontas soltas dessas "disciplinas da beleza" no tecido de nossos dias. Eu contemplei a minha xícara de chá, esfriando a cada minuto.


De repente decidida a minimizar minha margem de arrependimentos maternos, tirei a poeira de um livro de poesia, peguei mais xícaras de chá e chamei as crianças pra dentro. Embora eu não tenha percebido isso até muitos bules de chá depois, naquela única moção resoluta, a cara das nossas tardes ficou iluminada para sempre. Por uma feliz graça momentânea, acabei tropeçando no ritual agradável para continuamente atiçar aquelas chamas... a hora do chá diária!


Por volta das 15h30, eu simplesmente paro o que estou fazendo, independentemente de quantas roupas estão por dobrar, se as atividades já foram feitas ou se eu tenho alguma ideia do que fazer para o jantar, animo a atmosfera com um pouco de Bach, Handel ou quem estivermos pensando no momento, e coloco a chaleira no fogo. Quando o apito soa, as crianças já sabem que devem terminar o que quer que estejam fazendo e vir colocar a mesa... O chá está quase pronto!


Nossos livros de poesia agora têm um lar mais prático no meu armário da cozinha, logo abaixo da prateleira do bule. Quando o chá é servido, leio alguns poemas, apenas alguns, e podemos falar sobre eles ou não. Às vezes lemos poemas bobos, às vezes clássicos, alguns antigos, alguns novos. Outras vezes, olhamos para um livro de arte. Alguns dias, lemos um Salmo. Eu mantenho esse momento tão curto quanto o dia exige, e ficamos juntos pelo tempo que as crianças estiverem interessadas. Este pequeno momento de cerimônia nos transformou mais do que qualquer coisa que eu possa imaginar. É disso que meus filhos vão se lembrar bem depois de todo o resto ter se transformado em um borrão.


Agora, antes de alegar que esse tipo de coisa está além dos domínios da sua realidade, por favor, entenda: isso não é parte de algum tipo de vida ideal. Muitas vezes (a hora do chá) acontece em meio a pilhas de pratos sujos e roupas por dobrar, sobre o chão de uma cozinha que, se varrido, daria uma contribuição substancial para o adubo! Mas, tenho confiança de que o Senhor honrará as boas intenções do coração de uma mãe e que de alguma forma vai redimir esse tempo para mim em minha vida ocupada. "Porque aqui está o que disse o Senhor Deus, o Santo de Israel: “É na conversão e na calma que está a vossa salvação; é no repouso e na confiança que reside a vossa força” (Isaías 30, 15).


Fiel a essa promessa, a hora do chá produziu muitos frutos. Descobri que muitas narrações borbulham durante esse momento, à medida que as crianças contam para mim todo o tipo de coisa que leram ou fizeram em seu tempo livre, e geralmente sem minha condução. Recentemente, ouvi uma delas recitar um verso enquanto brincava e perguntei onde ela o havia aprendido. "De você, mamãe, na hora do chá!", ela respondeu. Eu nem me lembrava de ter lido aquilo, mas ficou marcado nela! Meus filhos também começaram a escrever poesia voluntariamente como resultado de nossas leituras na hora do chá, e estão compilando tudo em pequenas coleções para encadernar. Esse é um fruto sem esforço, do tipo que nos lembra que aprender pode ser um jugo fácil, e alegre!


Manter o chá também tem outras virtudes para as mães. Sem o corre-corre da hora do jantar, podemos exercitar os hábitos mais calmamente, como diria Charlotte Mason; ensinar com mais firmeza pequenas nuances de boas maneiras, e como manusear objetos delicados com cuidado. Talvez os ingleses e os chineses saibam disso há séculos, mas manusear peças finas automaticamente acalma o temperamento — uma criança de mau humor que vier tomar uma xícara de chá, se acalmará apenas com a perspectiva de erguê-la. Comprei para cada uma das crianças sua própria xícara e pires de porcelana, os apresentei bem embrulhados e com grande pompa. Bastou uma xícara de chá quebrada para convencê-los a manusearem a porcelana com cuidado; o coração da minha filha ficou mais partido do que a xícara quando ela viu tudo se espatifar no chão. 


Todo mundo está mais cuidadoso desde então, e eu já tinha me conformado com perder uma ou duas xícaras no decorrer do treinamento — é um pequeno preço a se pagar levando em conta a grande melhora que vejo em seus modos à mesa. A hora do chá também possibilita momentos de aprendizagem para treinar o hábito de ajudar nas tarefas da cozinha. As crianças me ajudam a servir uma frutinha, talvez queijos, torradas, vegetais crocantes, às vezes até alguns biscoitos, e sempre limão, mel, leite, guardanapos e colheres... as obras, e tudo de forma ordenada.


Além disso, a hora do chá também oferece lições de cooperação na limpeza. Os pratos do jantar, especialmente em uma família grande, se multiplicam em proporções assustadoras e desanimadoras para fins de treinamento. Mas aprender a arrumar alguns pratos do chá torna a tarefa viável para iniciantes.


A hora do chá também transmitiu aos meus filhos a alegria de servir. Quando lemos Felicity Learns a Lesson (da série American Girls), nos deparamos com uma bela lição de etiqueta; Felicity, uma garota colonial, faz um curso cujo trabalho final era aprender a arte de tomar e servir chá. Tudo isso está explicado no livro, eu não tinha nada para ensinar! Isso os inspirou a servir os outros, e o fruto disso também se manifesta em outras circunstâncias. Eles estão mais preocupados em ser gentis, tanto quando são anfitriões como quando são hóspedes, por terem vivido essa experiência. Aprender a servir os outros pode ser uma lição prazerosa!


Enquanto estava enumerando as virtudes do chá, me surgiu outra: com um lanchinho garantido no meio da tarde, evitamos a falta de açúcar no sangue dos irritadinhos que costumavam recepcionar o papai quando ele chegava todas as noites. Agora terminamos os preparativos noturnos do jantar com um pouco mais de alegria, e isso significa muito para o homem da casa! E, graças à hora do chá, também tenho mais controle sobre os lanches, com uma refeição saudável antecipada no meio da tarde, nossa ingestão de “besteiras” está diminuindo bastante. 


Percebo que esse hábito diário de tirar um momento para se renovar está em harmonia com a nossa criação, pois como é que nosso Pai nos ensina, desde o início das coisas, a glorificá-Lo? Observando um tempo de descanso. Portanto, não é nenhuma surpresa que Ele apareça em nossas conversas durante o chá com tanta frequência, e que saiamos da mesa com o coração restaurado e tranquilo, em melhor condição para servir ao Senhor e desfrutá-Lo sempre. 


O chá da tarde, aquele tônico esquecido de meus sábios antepassados ingleses, se tornou a hora de ouro de nossos dias. Mesmo quando viajamos, as crianças sempre me lembram de levar o chá, porque elas passaram a desejar esse momento de calma e recolhimento comigo! E onde quer que levemos nosso hábito do chá, convidamos outras pessoas a se juntarem à diversão, o que tem engrandecido nossas tardes, como a hora do chá em qual minha avó nos contou histórias de alguns familiares que viveram durante a Guerra Civil.


Eventualmente, as recompensas da minha insistência (na promoção desse momento) são ainda mais doces: as crianças vêm a mim quando a hora do chá termina e os livros de poesias e arte estão fechados, barrigas cheias de chá quentinho e gostosuras, cabeças repletas de lindas sinfonias, grandes palavras ou belas imagens, e me dão um longo, silencioso abraço. Eu apenas sento e as abraço até que soltem, o que as vezes leva um tempo surpreendentemente longo. Ah, já está na hora do chá! Que bom. Vá lá, coloque sua chaleira no fogo também! 


"Pão e água podem facilmente se transformar em torradas e chá."


Texto original publicado em https://www.amblesideonline.org/VirtuesofTea.shtml

Tradução: Juliana Poiares

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